O estudo dos Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas na Região Nordeste do Rio Grande do Sul começou, muito modestamente, no ano de 1974. Estava-se na efervescência de revisitar a história da imigração italiana, por motivo da comemoração do centenário da chegada da primeira leva de imigrantes, ocorrida em maio de 1875. Dentro do quadro, compreensivelmente laudatório, desse tipo de comemoração, professores e estudiosos ligados à Universidade de Caxias do Sul começaram a propor estudos de caráter analítico e crítico sobre a saga da imigração. Alguns se voltaram especificamente para a pesquisa histórica, outros para a pesquisa dialetológica e, outros ainda, para a investigação dos componentes culturais advindos da imigração italiana.
Esse terceiro grupo propôs-se, inicialmente, a investigar o papel da mulher na cultura da imigração italiana, com base no estudo dos fazeres femininos. Era ele integrado por Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro e Maria Elena Piazza, que iniciaram um trabalho de registro de depoimentos, e ainda por Ary Nicodemos Trentin e Aldo Toniazzo, que se encarregaram do registro fotográfico.
Com a tomada dos primeiros depoimentos, viu-se que a questão era bastante mais complexa do que podia ter parecido de início. O papel da mulher só podia ser definido na moldura de um universo cultural ainda pouco conhecido. O trabalho da mulher, a ocupação do seu dia, seu tempo de lazer absorvido em tarefas utilitárias, o caráter produtivo de todas as suas ocupações, tudo isso se explicava por fatores outros, como a organização econômica da família, os códigos de comportamentos, em suma, pelos valores culturais vigentes nessas sociedades.
O passo seguinte era, portanto, previsível: partir para o estudo abrangente de todo o universo cultural do imigrante italiano.
Essa decisão, mesmo sendo natural, comportava uma série de novas exigências: ampliar a equipe de trabalho, incluir nela especialistas de diferentes áreas, definir métodos e procedimentos que conferissem ao trabalho um caráter sistemático. Em outras palavras, era preciso transformar o limitado projeto original num amplo programa de pesquisa. Esse programa recebeu o nome extenso e analítico de "Elementos culturais das antigas colônias italianas da Região Nordeste do Rio Grande do Sul". E teve o nome resumido para "Projeto Ecirs", mesmo sendo já um programa.
A sistematização do trabalho e a ampliação e o enriquecimento da equipe fizeram-se aos poucos, e não sem sacrifícios. A consolidação institucional do Ecirs deu-se em 1978, com o apoio oficial da Universidade, expresso em recursos materiais e financeiros e em algumas facilidades para a constituição da equipe de pesquisadores. Os recursos públicos sempre foram quase nulos, dentro dos critérios com que são tratadas as ciências humanas no País, em especial quando voltadas para o estudo das minorias.
Apesar das limitações, o Ecirs cresceu e se consolidou. Os procedimentos adotados na pesquisa, por si sós, assinalavam a valorização de uma cultura muitas vezes escarmentada, uma vez que se criou um processo de interação com as comunidades que eram objeto de estudo. À medida que iam sendo adquiridos os conhecimentos, eles passavam a ser devolvidos, de diversas formas, àqueles que estavam na sua origem. Esse processo de interação, cada vez mais intenso e diversificado, acabaria por conferir ao Ecirs talvez o traço mais importante de sua fisionomia: a de ser ao mesmo tempo um núcleo gerador de pesquisa e um núcleo gerador de atividades de extensão e de serviços à comunidade, numa forma muito abrangente de educação patrimonial.
De fato, nessa concepção que foi se firmando no projeto, a devolução do conhecimento produzido sobre as comunidades foi vista como a forma mais adequada de fazer com que elas pudessem melhor reconhecer seus traços característicos e, por meio deles, reconhecer e assumir a própria identidade. Uma identidade que se afirma pelas formas particulares de organizar a vida e a produção, de conduzir o processo de socialização e de criatividade, de ajustar a convivência com o meio ambiente natural e social, de se inserir na ecologia local, e assim por diante. Com esse procedimento, a população regional foi tendo condições de reconhecer que a sua cultura é também cultura: diferente da cultura dominante, mas também cultura, com sua forma particular de manifestação.
Esse envolvimento permanente com as comunidades conferiu fisionomia própria também aos produtos gerados pelo Ecirs. Ao lado da produção científica, que resultou em trabalhos de tipo acadêmico, o Ecirs desenvolveu trabalhos e publicações com caráter de divulgação e, mais especificamente, com caráter didático, no sentido de apoiar e subsidiar a ação cultural na região estudada.
Essa dimensão regional do Ecirs é especialmente significativa no contexto da UCS, uma universidade comunitária com vocação regional. O Ecirs não só corresponde a esse modelo, como também, sem dúvida, tem contribuído para formar uma imagem do que pode ser a presença transformadora da universidade na região.
A atenção particular à comunidade regional não foi, porém, obstáculo a que as atividades do Ecirs transcendessem esses limites. Ao contrário, ele tem contribuído para a divulgação e a valorização da cultura regional em importantes fóruns científicos e com universidades e organismos de cultura de todo o País. Fruto desse intercâmbio, não só o Ecirs se viu enriquecido com variadas e valiosas contribuições, como contribuiu com a sua experiência para outras ações relacionadas com o patrimônio cultural.
Esse desdobramento - de uma proposta inicial de pesquisa para um envolvimento progressivo em ações culturais - acabou transformando o Ecirs numa espécie de laboratório permanente, em que a investigação científica tem sempre a ação cultural como meta, e onde essa ação cultural busca sempre o suporte do conhecimento científico. Embora alguns equívocos gerados por essa posição - tanto no campo acadêmico como no campo político - o Ecirs a tem mantido, e essa é de certo modo a sua marca identificadora.
Como fruto desse percurso, podem, pois, ser individualizados, em síntese, os traços definidores da fisionomia do Ecirs, depois de um quarto de século de atividade:
1. É um programa de trabalho, ao mesmo tempo, de pesquisa e de ação cultural, que se diversifica e expande em variadas atividades e subprojetos, buscando corresponder a sempre novas solicitações e necessidades, tanto na área do conhecimento quanto no campo da intervenção social.
2. Na qualidade de programa de pesquisa antropológica, privilegia uma cultura minoritária e tenta compreender as suas relações de troca e de conflito no processo de homogeneização da cultura nacional, sem perda das diversidades que particularizam cada uma de suas manifestações. Ao mesmo tempo, busca identificar os valores e as contradições desse grupo cultural menor, no sentido de desenvolver uma autocompreensão da própria cultura, numa dimensão crítica.
3. Ao lidar com a pluralidade das manifestações culturais, é um projeto caracterizadamente multidisciplinar. Esse traço é, sem dúvida, inovador no que se refere à abordagem dos problemas culturais no País.
4. Com base na pesquisa, o Ecirs desenvolve atividades de promoção cultural, num intercâmbio permanente com a comunidade objeto de estudo, sem prejuízo para a primeira. Ao contrário, é nesse processo de troca de saberes que a pesquisa encontra o seu verdadeiro alcance.
5. É um projeto com um claro perfil de ação regional, mostrando como o saber universitário pode, sem nada perder de seu rigor e dignidade, de sua profundidade e amplitude, estar a serviço do desenvolvimento de sua realidade mais próxima.
6. Enfim, por não perder o caráter de universalidade, esse estudo e essas ações de dimensão inicialmente regional acabam gerando um interesse para além dessa fronteira. Com isso, o trabalho desenvolvido pelo Ecirs tem chamado a atenção como modelo viável de política científico-cultural, que pode ser utilizado por outras instituições em outros contextos.